quinta-feira, 26 de novembro de 2009

ROMANCE SONÂNBULO


Federico Garcia Lorca

(A Gloria Giner e a
Fernando de los Rios)


Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.

Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!

Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.


Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos "Nacionalistas". Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista - apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República - Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver." Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.


A poesia acima foi extraída de sua "Antologia Poética", Editora Leitura S. A. - Rio de Janeiro, 1966, pág. 53, tradução e seleção de Afonso Felix de Sousa.

sábado, 14 de novembro de 2009

CULPA DA MÃE?


Quando abri os olhos senti a claridade da manhã ensolarada invadir minhas vistas. Na noite anterior me esqueci de fechar as cortinas da janela e assim evitar que luz matinal invadisse meu quarte e atrapalhasse meu sono.
Nunca gostei de acordar cedo, pelo menos uma grande parte das pessoas que conheço também não e isso é o que me conforta profundamente, porque me deixa igual aos demais.
Ainda deitado, com o meu pequeno quarto iluminado pela luz do sol e pelo abajour que eu também deixara aceso a noite toda, comecei a pensar na vida. Um pensamento involuntário. As coisas vinham na minha mente sem que eu as controlasse ou selecionasse o que queria refletir.
Pensar na vida não é uma coisa dificil para mim que estou sempre exercitando essa prática. Não sou filósofo, apenas penso, lembro e relembro fatos. Um dia quis até escrever uma crônica sobre o que eu pensava, mas logo me deu preguiça e desisti.
Preguiça eu tenho de sobra. Seja para trabalhar, seja para estudar, para namorar, para ler, escrever, enfim. Sou um ser preguiçoso.
Mas não atribuo minha preguiça a vagabundagem porque vagabundo eu não sou. Até faço uns trabalhinhos aqui e acolá, ganho um pouco de dinheiro que me permite ir no cinema, comprar um jeans novo ou então ajudar a pagar a conta de telefone.
O céu límpido de um azul celestial, com um raio de sol que mira meu rosto ainda marcado com os traços do sono e da noite mal dormida me perguntam o que vou ser quando crescer. E eu não sei responder a essa provocação, porque já tenho mais de quarenta anos de idade. Crescer como e aonde? Rebato a questão com outra.
Logo minha mãe acordará e me chamará aos berros para que vá odiosamente a padaria que para meu desgosto, fica a mais de quinze minutos da minha casa. Acho que ela faz isso de propósito, para me ver com raiva. Eu não tenho culpa de ser assim caralho!
Culpa tem ela que não me colocou logo cedo para trabalhar, para fazer cursos, esportes, até teatro amador eu faria, embora nunca tivesse talento para as artes.
Agora vive me criticando porque não tomo atitude para nada, fico o dia todo em frente a teve, vendo os programas de auditório.