quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

UM BEIJO DE ANO NOVO


Ano passado tive um amor no Neblon. Era véspera de virada de ano. Acordei cedo e fui passear pelo calçadão da praia que estava cheia de gente num sol escaldante e um dia diáfano que parecia um quadro pintado a tinta a óleo de viva que estavam as cores do azul do mar que se confundia com o límpido do céu, o branco da areia, as cores das roupas e o barulho dos carros que passavam lentamente pela orla. Me incomodava um pouco aquela agitação, mas no todo me agradava estar ali caminhando.
Enquanto andava, ouvia pelo fone de ouvido uma rádio que tocava jazz. Eu pensava na vida, ao contrário de muitos que estavam ali se embebedando logo cedo, sorrindo, cantando, gritando e feliz por ter passado por mais um ano. A cada passo, uma retrospectiva, um fato, uma conversa, uma pessoa. Olhava o mar, respirava fundo e seguia o meu caminho sem destino certo.
Numa das minhas paradas, a penúltima. Me sentei para tomar uma água e contemplar o mar ao longe. Reparei um navio lindo que se movia lentamente e acalmava meu pensamento. Uma mulher se sentou ao meu lado e olhou para frente, bem para onde eu mirava o olhar. E então, me cumprimentou e eu retribui. Ficamos mais um pouco em silêncio, até que partiu dela as primeiras frases de uma conversa que marcaria um ano da minha vida.
Falamos do calor, das pessoas, da festa e sem mais explicações nos beijamos. Simplesmente. Foi um beijo efêmero, de quem necessita de alguma coisa inexplicável. Achei estranho, mas gostei muito daquele momento. Quase não nos falamos depois do beijo, apenas nos olhávamos nos olhos. E aí, depois que voltamos a praia, ela me perguntou se eu morava na cidade, eu disse que não, era apenas um turista de São Paulo e ela coincidentemente me disse que também era da capital paulista e que iria embora ainda naquela tarde.
Mesmo sem conhecê-la senti uma tristeza. Não queria que ela fosse embora, então para me confortar perguntei-lhe o nome e ela me respondeu, “ Manuela!”. Tentei com fracos argumentos convencê-la a ficar, mas ela me parecia bem decidida, tinha planos e precisava executá-los. O meu plano naquele momento era conhecê-la mais a fundo e claro a beijá-la, então propus insistentemente “ Fique até o Reveillon, passe comigo!”. E ela me respondeu, “ Num posso, estou com meu marido e meus dois filhos, mesmo que fique terá de ser ao lado deles”. Tomei um susto. Que mulher louca. Me beijar assim em público sem saber quem sou e o pior, sendo casada com filhos. E se vissem aquela cena? Era capaz até de eu passar o reveillon no mundo dos mortos. Meu coração acelerou e tive medo, me despedi assustado e fui saindo dali com uma certa raiva daquela mulher que tinha o nariz fino e a pele do rosto alva protegida por um enorme e elegante chapéu. Cada um saiu para um lado em caminhos opostos, mas depois de alguns passos, confesso que não resisti, olhei para atras e ainda pude ver aquelas ancas lindas rebolando enquanto se distanciavam. Eu não pensei, apenas corri para alcançá-la. Peguei em seu ombro direito “ Espere! Pegue pelo menos o meu telefone!”. Como eu sou um advogado sempre prevenido, dei lhe um cartão de visita com os meus números e olhei mais uma vez em seus olhos castanhos. Percebi que ela tinha uma cicatriz próximo aos lábios que a deixava mais bonita. Ela me deu um leve sorriso, guardou o cartão e para minha surpresa me disse “ Quer que eu ligue quando?”. Eu esperava que ela agradeceria e diria que um dia ligaria, mas que jogaria o cartão na primeira lixeira que encontrasse. “ Quando? Estarei em São Paulo depois do feriado!”. “Te ligarei!”.
Passei o resto do dia pensando em Manuela. Lembrando o beijo repentino, as conversas desconexas e com a esperança de um telefonema. Tive vontade de voltar para São Paulo ainda naquele dia, antes de meia noite, na expectativa de que ela me ligasse logo nas primeiras horas do ano novo. Mas eu também não podia me desesperar.
Fiquei o resto do dia perturbado, mas feliz. Havia tempo que eu não beijava ninguém, já até me acostumara com a solidão e nem procurava por emoções afetivas.
Chegou a hora da virada, cumprimentei os poucos amigos que me acompanhavam e todos já tinham percebido que eu estava diferente. Olhei os fogos, a bagunça que as pessoas faziam na beira da praia, mirei o mar e bem distante um navio com suas luzes cintilantes se movia lentamente, tranquilizando meu pensamento e me fazendo lembrar de Manuela.
O Reveillon passou, o feriado acabou e eu voltei para São Paulo, para a rotina do dia a dia e numa quarta feira próxima do fim de janeiro, eu estava em casa de bobeira ouvindo uma música do Paulinho da Viola quando meu telefone tocou. Era um número desconhecido e eu nem me lembrava com tanta vivacidade de Manuela. “ Alô, eu num disse que ligaria? Pois então, promessa é dívida”. Não consigo explicar aqui a alegria que senti. Eu parecia um garoto que acabara de se apaixonar por uma mulher mais velha. Eu gaguejei e perdi as palavras, “ O que digo agora meu Deus?”, pensei. E então houve um breve silêncio, quando ela retomou “ Você está aí?” “Sim estou, é que estou emocionado. Pensei que...” “ Então pensou errado, gostei muito de te conhecer na praia, adorei te beijar e quero muito que esse momento fique inesquecível na nossa memória. Pena que não poderei te ligar mais e peço para que apague o número de sua agenda porque eu não terei coragem de trair meu marido. Fiquemos com a sensação de uma amizade efêmera. Adorei, um beijo e feliz ano novo.”
Depois disso nunca mais nos falamos e hoje que passou um ano do ocorrido, escrevo essa história aqui do banco onde aconteceu a cena do beijo, lá no horizonte, um navio se movimenta lentamente, acho que o mesmo do ano passado. Mas Manuela até agora não apareceu.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

FELIZ ANO NOVO A TODOS


Estamos nos últimos passos de 2009. Como de costume, sempre uso a última semana de cada ano para fazer uma retrospectiva mental de tudo que fiz de interessante para me avaliar.
Sinto que ano que vem será bem melhor. Até porque tentarei seguir a Receita que Carlos Drummond de Andrade nos passou e que reproduzo abaixo de presente a todos os meus leitores.

NOS VEMOS EM 2010! UM FELIZ ANO NOVO A TODOS!

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A FESTA DE DONA ANGELINA


No sábado passado Dona Angelina fez uma festa que foi de arromba. Ela queria comemorar seus sessenta anos de idade com uma galera diferente que fosse bem mais jovem e animada. Até que conseguiu porque as pessoas se embebedaram e ouviram Roberto Carlos com uma vivacidade de quem ouve Lady Gaga.
Ela estava muito feliz. Pulava, cantava, bebia e chegou a dar uns beijinhos num garoto que era amigo de seu quinto neto. Ninguém se espantou com a cena porque afinal era uma festa de sessenta anos com a temática anos dois mil.
Dona Angelina pensou que era muito mais bacana fazer uma festa de aniversário aos moldes modernos do que uma daquelas chatérrimas dos anos sessenta, setenta ou daí para trás. Imagine uma festa da saudade! “Deus me livre” dizia ela. “ Saudade para quê? Já estou com sessenta anos, se eu começar a viver de saudades me esqueço do hoje e aí perco o que está na moda.”
A moda é o que pega. E essa geração é muito mais aberta, mais viva. Ela grita mais, dança mais, fala muito mais besteiras, até sexo fazem mais e com muito mais vigor. Dona Angelina queria ter nascido nessa geração e conhecido a de sessenta e oito apenas pelos livros do Zuenir Ventura.
Tirando o quinto neto, que além de ser jovem e muito ligado a avó materna, os outros quatros sentem vergonha do jeito com que dona Angelina se comporta, “ Pensa que é uma adolescente!”. Sua filha já não se importa, acha a mãe divertida e até briga muito com o marido e os filhos mais velhos defendendo a opção de Dona Angelina. A única coisa que desaprovou foi um relacionamento relampago que a sua mãe teve com uma lésbica que tinha quase a mesma idade dela.” É uma experiência nova para mim Érica, deixa eu curtir depois te falo se virei lésbica ou não!”.
No fundo era só uma experiência mesmo, que não durou mais do que alguns dias até aparecer um senhor meio maluco que a roubou da tal lésbica que sumiu do mapa.
Na festa de sábado passado Dona Angelina estava solteira porque sabia o que queria. E ela por sí só já se bastava, não precisava de companhia de ninguém, apenas dos amigos. Mesmo que fossem os amigos do seu quinto neto já que os seus sumiram para ficar vivendo de saudades.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

GOTA DE ORVALHO OU ESPERANÇA?


A felicidade não é como a gota de orvalho como diz a canção de Jobim. Acho que ela é a esperança do surgimento do orvalho. Uma esperança. Hoje se digo que estou feliz, quero dizer na verdade que estou com uma esperança. E realmente estou com uma ponta de felicidade no futuro. E como o futuro é incerto, afirmo que sinto uma felicidade indefinida e efêmera.
Penso que criar uma expectativa, mesmo quando as coisas não estão a nosso favor. Aliás, raramente elas estão. Ainda assim, construímos uma certa ilusão que nos ajuda a afastar o sentimento depressivo, as músicas da Elis e o álcool. E assim vamos vivendo o dia após dia esperando a gota de orvalho numa pétala de flor.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009