sexta-feira, 1 de junho de 2018

Dois Filmes que me valeram o feriado.



 Aproveitei o feriado para revisitar dois grandes filmes brasileiros. O "Bicho de Sete Cabeças", de Lais Bodanzky (2000) e "Cinema Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes ( 2005).
 Nas últimas semanas, tenho me dedicado a estudar roteiros e manuais, além de assistir os mais diversos tipos de filmes, porque estou empenhado em escrever um, cujo título provisório é "Lúcia quer viver", inspirado na obra Casa de Boneca de Ibsen, mas com referências de outras obras e autores como Kafka, Goethe, dentre outros.
 Voltando aos filmes de ontem, Bicho de Sete Cabeças, apesar de ter sido exibido á quase vinte anos tem um tema muito atual, que é a precariedade do sistema manicomial e ainda o tabu quanto tema das drogas, em especial a maconha.
 Dias desses, eu encontrei um colega e por ele soube que um amigo nosso em comum foi internado compulsóriamente pela sua irmã para tratamento. Fiquei chocado com a notícia.
 Esse nosso amigo tem 34 anos, é enfermeiro, tem um apartamento de frente para o mar e depois que sofreu uma desilusão amorosa, passou a usar com frequência antidepressivos, maconha e cocaína. Claro que isso gera uma certa apreensão com quem convive com ele, mas o extremo de internação compulsório me assustou, porque de certa forma, ele mantinha sua rotina, pagava suas contas, ia aos seus compromissos e numa das nossas conversas, ele me revelou que iria pedir afastamento no trabalho e procurar ajuda voluntariamente. Mas sua irmã não conseguiu esperar o seu tempo.
 Já no Cinema Aspirina e Urubus, que na minha opinião é um dos mais importantes filmes nacionais da história do cinema brasileiro, eu me reencontrei com a temática das relações humanas em tempos de crise, guerra e miséria. A busca por sonhos num sertão castigado pela seca, a vida de retirantes sob pontos de vistas de um estrangeiro e um nativo, a arte como uma droga capaz de amenizar o sofrimento e trazer um certo conforto anestésico, tudo isso numa beleza estética incrível.
 Foram horas de grande satisfação que me valeram o feriado. Nem senti falta de bares, baladas, fervo e agitação. Foi um reencontro comigo mesmo e com as coisas que valorizo na vida.
 Vale como uma sugestão para os leitores, revejam filmes que te marcaram. E se quiserem comece a escrever um também.


quinta-feira, 24 de maio de 2018

A Festa de Dona Angelina


Adriana Paiva. Os Gêmeos - “Foto preto-e-branca”, pintura sobre tela.



 No sábado passado Dona Angelina fez uma festa que foi de arromba. Ela queria comemorar seus sessenta anos de idade com uma galera diferente que fosse bem mais jovem e animada. Até que conseguiu porque as pessoas se embebedaram e ouviram Roberto Carlos com uma vivacidade de quem ouve Lady Gaga.
 Ela estava muito feliz. Pulava, cantava, bebia e chegou a dar uns beijinhos num garoto que era amigo de seu quinto neto. Ninguém se espantou com a cena porque afinal era uma festa de sessenta anos com a temática anos dois mil.
 Dona Angelina pensou que era muito mais bacana fazer uma festa de aniversário aos moldes modernos do que uma daquelas chatérrimas dos anos sessenta, setenta ou daí para trás. Imagine uma festa da saudade! “Deus me livre” dizia ela. “ Saudade para quê? Já estou com sessenta anos, se eu começar a viver de saudades me esqueço do hoje e aí perco o que está na moda.” 
 A moda é o que pega. E essa geração é muito mais aberta, mais viva. Ela grita mais, dança mais, fala muito mais besteiras, até sexo fazem mais e com muito mais vigor. Dona Angelina queria ter nascido nessa geração e conhecido a de sessenta e oito apenas pelos livros do Zuenir Ventura. 
 Tirando o quinto neto, que além de ser jovem e muito ligado a avó materna, os outros quatros sentem vergonha do jeito com que dona Angelina se comporta, “ Pensa que é uma adolescente!”. Sua filha já não se importa, acha a mãe divertida e até briga muito com o marido e os filhos mais velhos defendendo a opção de   Dona Angelina. A única coisa que desaprovou foi um relacionamento relampago que a sua mãe teve com uma lésbica que tinha quase a mesma idade dela.” É uma experiência nova para mim Érica, deixa eu curtir depois te falo se virei lésbica ou não!”. 
 No fundo era só uma experiência mesmo, que não durou mais do que alguns dias até aparecer um senhor meio maluco que a roubou da tal lésbica que sumiu do mapa. 
 Na festa de sábado passado Dona Angelina estava solteira porque sabia o que queria. E ela por sí só já se bastava, não precisava de companhia de ninguém, apenas dos amigos. Mesmo que fossem os amigos do seu quinto neto já que os seus sumiram para ficar vivendo de saudades.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Decidido



 Hoje acordei pensando em você. Mas logo me lembrei daquela tarde de sábado, era dezembro, e eu estava sentado a beira mar.O céu estava cinza e caía uma fraca e fina garoa.
 Meu olhar se perdia no horizonte enquanto eu conversa com as ondas, foi o dia em que decidi que deveríamos acabar com o nosso falso romance, já que entre nós não existia mais um mundo e não me restava outra escolha, ainda que insegura.
 Naquele momento tocou no rádio que eu ouvia pelo fone do meu celular a música "O Show Já Terminou" de Roberto Carlos e aquela letra que parecia bastante apropriada me encorajou a me libertar de você.
 O mar me dizia que eu não deveria continuar uma farsa. E ele tinha razão. Decidido eu me levantei, abri os braços e como na música do baiano Gerônimo, "Abracei e Agradeci o mar pelos conselhos".
 Acontece que quando eu cheguei pra te alforriar de mim, você me recebeu com um lindo sorriso que me desmontou e num súbito pensei que o melhor era tentar novamente e assim traí o mar sem saber que na verdade quem estava sendo traído era eu.
 Só depois disso é que tomei coragem de verdade e te expulsei da minha vida, mas não do meu coração. Por isso que tem vezes, como hoje, quando acordo pensando em você, me lembro daquela tarde de sábado em que eu traí o mar.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Os Homens Ocos, de T. S. Eliot




Thomas Stearns Eliot foi um poeta modernista, dramaturgo e crítico literário inglês nascido nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1948. É considerado por muitos o poeta mais influente do século XX.( 26/9/1888 - 4/1/1965) 

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam — se o fazem — não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

— Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular

Música da Noite - Bing Crosby


 Bing Crosby nasceu em Tacoma, Washington, filho de Harry Lowe Crosby - um contador numa fábrica de cervejas - e Kate Harrigan Crosby. Considerado um dos maiores cantores populares do século XX, morreu vítima de um ataque cardíaco enquanto jogava golfe. Nasceu em 3 de maio de 1903, em Tacoma, Washington, EUA. Morreu no dia 14 de Outubro de 1977, durante uma partida de golfe, onde sofreu uma parada cardíaca. A este grande mestre da música e do cinema dedico esse post, já que estamos no mês do seu aniversário.

sábado, 5 de maio de 2018

E pensar que meus planos iniciais eram de ir para fora do Brasil.


 Desde quando me mudei de São Paulo para São Vicente, isso faz pouco mais de seis meses, tenho vivido tempos de incertezas, inseguranças e perdas sucessivas. Bem normal quando se trata de mudanças.
 E pensar que meus planos iniciais eram de ir para fora do Brasil.
Já havia me planejado até com a data, mas numa surpresa inesperada da vida, num súbito retornei para a casa dos meus pais, numa cidade pequena do litoral paulista. Saí da frenesi paulistana, da correria, do estresse cotidiano de uma vida agitada e das poluições e me instalei a beira mar, onde todas as noites durmo embalado ao barulho das ondas, sentindo o cheiro da brisa que entra pela janela aberta, a mesma que me permite olhar o céu estrelado e a lua. Fico admirando suas quatro fases quando as noites estão claras.  
 Nas manhãs, a primeira coisa que faço é olhar o mar, é impulsivo.Talvez para me certificar de que ele ainda está lá e se sua monotonia continua a mesma, se nenhum tsunami tomou a cidade durante a madrugada ou as tão comuns ressacas não invadiram a pista e destruiu pelo menos parte do concreto que lhe cerca e lhe limita.
 Quiçá no meu inconsciente eu até queira que esse fenômeno realmente aconteça, para ver um espetáculo da natureza se rebelando contra a agressão humana que tanto a destrói. No entanto, essa minha nova e privilegiada vida, onde desfruto de uma qualidade bem diferente da paulistana, contrasta com uma solidão e um vazio que ainda não consegui superar. Sem os amigos de antes, sem a popularidade que me elevava a auto estima, me sinto um peixe fora d agua, vendo como a vivência em outra terra é difícil. 
 Os motivos da minha mudança relatarei posteriormente, o que quero compartilhar aqui são as sensações de estranheza que sinto, num lugar que até então me parecia tão familiar.
 As pessoas sisudas, individualizadas em si mesmas, sem interesse pelas outras, indiferentes até mesmo à própria natureza que lhes cercam. Isso tem me incomodado muito porque eu amo estar com pessoas, conversando, fazendo piadas, falando sobre tudo, bebendo, dentre outras coisas. 
 Mesmo meus pais são estranhos para mim, tenho percebido detalhes que eu não tinha percebido nem durante a minha infância. Coisas de quem viveu muito tempo fora de casa.   Mas sei que tudo vai melhorar logo e eu voltarei a viver minha liberdade novamente, porque o motivo da minha mudança é nobre e eu precisava disso, sair da zona de conforto. Agora é importante eu perceber como mudar é difícil. E eu que tinha planos de ir para fora do Brasil.